Cultura

Camus na Ceilândia
Como produzir um filme no Distrito Federal


Laís Braz de Oliveira

Cartazes nas paradas, em postes e nos murais de escolas. Conversa na porta de bares e padarias da Ceilândia. Quem não leu perdeu a oportunidade de ser ator de cinema. Foi dessa forma que Adirley Queiroz, cineasta formado no curso de cinema da Universidade de Brasília, convidou a comunidade para participar do projeto do segundo filme produzido naquela cidade-satélite, um curta-metragem baseado no conto "Os Mudos", de Albert Camus.

 

O principal objetivo do cineasta era fazer Ceilândia pensar sobre a linguagem de cinema, mas o resultado foi além das fronteiras da região administrativa. "Não esperava a participação de habitantes de lugares distantes como Sobradinho." Atores profissionais, amadores e sonhadores atenderam ao chamado nas ruas. Os selecionados são moradores de Sobradinho, Ceilândia, Samambaia e Santo Antônio do Descoberto. "Do total de sete atores escolhidos, apenas dois são profissionais e já trabalhavam com teatro em Brasília", afirma Queiroz.

 

Apesar da mobilização da equipe de produção em divulgar e colar cartazes, muitos lamentaram a falta de informações. Como Débora Priscila Ribeiro, moradora de Ceilândia Sul, que afirma jamais ter ouvido falar do filme. "Mesmo com toda a divulgação sempre fica alguém de fora", afirma Débora.

 

O filme levará o mesmo nome do conto do livro "O Exílio e o Reino" de Albert Camus, escritor e filósofo argelino. Segundo Queiroz, o livro retrata os mesmos elementos da realidade ceilandense, além de ser um texto fotográfico. Trata-se da história de operários em greve num subúrbio da Argélia, como eles reagem ás mudanças econômicas e físicas do ambiente. "O livro caiu em minhas mãos por acaso, achei que tem a ver com a Ceilândia, a história de como as pessoas interagem com o espaço geográfico", acredita o cineasta.

 

"Os Mudos" não será a estréia de Queiroz como cineasta. "Rap, O canto da Ceilândia", seu primeiro filme, conta a história de cantores de rap da cidade e faz um paralelo entre a música e o desenvolvimento da periferia local. O filme ganhou vários prêmios, entre eles o do Festival de Cinema de Brasília do Cinema Brasileiro de 2005, nas categorias júri popular e júri de curta-metragem, além do prêmio de melhor filme do Festival Internacional É Tudo Verdade, em 2006.

 

Sem incentivos do governo, os atores ajudam no que podem. Edimilson Braga, professor de artes cênicas, é um dos atores selecionado para as filmagens. Segundo Braga, a contribuição pode ser a compra de um lanche após as reuniões, ensaios ou o trabalho sem retorno financeiro. À espera da aprovação do projeto, em trâmite no Ministério da Cultura, e da liberação do dinheiro para a produção do filme, Queiroz teve que atrasar as filmagens em um ano. O filme será lançado no ano que vem, para que a verba repassada possa proporcionar a filmagem em película, e não em vídeo. "O dinheiro será usado para adquirir equipamentos", explica Queiroz.

 

De acordo com Marcus Ligocki, coordenador do curso de Cinema e Mídias Digitais do Instituto de Educação Superior de Brasília, a filmagem em película possibilita a distribuição do filme em salas de cinema. "A maioria das salas de cinema no Brasil projeta os filmes em película, apesar das novas tecnologias digitais ainda é caro para empresários a compra de aparelhos para exibição digital de filmes", afirma. Os filmes rodados em vídeo de alta definição passam por um processo de transferência para película para que possam ser distribuídos às salas de cinema.